26/03/2015

há tantas mãos vazias

há tantas mãos vazias no mundo
tantas portas fechadas
há medos que sufocam
há incontáveis noites cerradas

há um relógio que não pára
que não perdoa    que não chora
há um curso que continua
e habitua a vida a esquecer
as vozes que ignora

há esta vastidão de mundo
que nos absorve
por inteiro    nos engole

há este silêncio mudo
que corta que suprime que mata
e pela letargia    nos demove

mas há também um pensamento
que não cala:

por quantas mãos vazias
se fizessem cheias de outras mãos
nos livraríamos do que nos oprime
e nos chamaríamos     então
irmãos?

18/03/2015

o malmequer

já não sei se sou
aquilo que em reflexão
escolho ser    ou
o que o coração
(esse ser ingovernado) quer

assim que há rumor
de que a ponderação voou
sou poeta bem amado    ou
quem por costume
(quiçá por amor)
arranca pétalas de malmequer

chamaram-me equilibrado
não sabem que estou
em tremor de terra
sou zona de guerra

salve-se quem puder

12/03/2015

mar calmo mar bravo

mar calmo    mar bravo
inconstante ir e vir de marés
quem o vê brando e delicado
julga saber quem ele é

e eu que nasci a seu lado
não confio
não me fio em ter pé

basta o sopro do vento
uma perda de alento
e somos poema
rebentação serena que ruge
em busca de fé

descubro-me então sal-gema:
trago em mim todos os sóis e luas
que sobre si amanheceram,
adormeceram e acordaram

trago em mim todas as ruas
que os seus braços impetuosos
furiosamente inundaram

trago em mim todas as tempestades
de fogo-mar extravasado

trago em mim todas as calmarias
noites, sonhos e dias,
um quadro idílico de praia
vagarosamente pincelado

Retirado de: https://quadroseretratos.files.wordpress.com/2012/03/a-praia-raquel-taraborelli.jpg