03/11/2012

Corta


Inspiração inspirada
Pela batida antes enterrada,
Porque vens tu bater-me à porta?

O coração descansava,
A mente focava,
A intenção não saía torta.

Vejo que trouxeste o nervosinho também.
Acaso achas que eu não passaria melhor sem?
Digo-te, vens em má hora!

O sino toca, dá a uma.
E eu que estaria bem sem nenhuma!
Nem inspiração, nem batida,
Nem…

Nem amor.

Mas o que fazer a esta máquina
Que bombeia
E pula
E dá dor?

Corta!
Corta!

Corta.

Remoinhos de águas turvas


O cheiro das doces flores.
O calor do sol acolhedor.
O som da corrente decidida.

Respiro.
Abro os olhos.
E olho.
E vejo.
E sinto.

Um reflexo fugaz.
Um brilho que se move,
Que dança,
Que foge.

A transparência das águas
Nada pode contra ele –
- O sol bate certo
E ele, certo, se reflete.

E há, no meu coração,
A saudade daquele vidro
Que se fez espelho.

E há, na minha mente,
Confundindo a decisão da corrente,
Remoinhos de águas turvas.

Estratégia

O tabuleiro está posto.
O relógio, a postos.
As mãos suam.
A mente calculista desperta.

Joga!

O peão primeiro –
- Os peões vão sempre primeiro.
São mortalhas dispensáveis,
Amparos para os que se seguirão
E que nem na morte ficam por cima.

E os que peões não são,
Muito se iludem.
Duram mais,
Comem mais,
Pensam-se mais estimados.
E por fim sucubem,
Como todos os outros.

Pretas, brancas –
- Os números são diferentes,
Os prejuízos, iguais:
Um tabuleiro devastado,
Uma valeta cheia,
Um rei protegido.

Joga!

Todos os reis foram feitos para ser mortos,
Menos o nosso.
Ele é a causa,
O fim que justifica
Todos os meios, e inícios, e fins dos dizimados.

E, oh, como os dizimamos…
E, oh, como fomos dizimados…

Mas a causa, a causa…!

Xeque!

E já a sinto…
Já a saboreio…
Sabe a sangue…

Vitória, vitória, vitória!

Um tabuleiro devastado,
Duas valetas cheias,
Um rei caído
E outro a salvo.

E eu a salvo.

Mas…
O que sobrou?
O que sobrou das peças caídas?
O que sobrou dos mortos?

Solidão.
Xeque-mate.

03/10/2012


O decidido na Portaria nº243/2012, de 10 de Agosto, e relembrado a 1 de Outubro no site do Gabinete de Avaliação Educacional – que os exames nacionais de Português (639), Matemática A (635), História A (623) e Desenho A (706), a realizar em 2013, incidirão sobre a matéria lecionada nos três anos de ensino secundário, e não apenas no último, como tem sido desde 2004 – foi uma notícia revoltante para os alunos do 11º ano, do 12º, e ainda para os professores que os têm vindo a preparar.
O que se encontra em questão não é a falta de vontade por parte dos alunos de trabalharem para um objetivo ao qual eles mesmo se propuseram – e muito menos dos professores de exercerem a profissão que escolheram. Aliás, a medida é realmente tomada como boa se implementada a partir do 10º ano (como o Ministério da Educação promulgou em relação a outras medidas, nomeadamente, à remoção do peso da nota atribuída à disciplina de Educação Física na média global do aluno), uma vez que os conteúdos lecionados são, de facto, importantes para o prosseguimento dos estudos ou até para o exercício de cargos relacionados com a respetiva área.
Todavia, não podemos esperar de um aluno que se encontra entre o secundário e o ensino superior que, em poucos meses, se prepare devida e extensivamente para um exame quando, subitamente, lhe exigem que estude o triplo da matéria com que contava de início. Mudar o foco dos exames quando os alunos se encontram já no 11º ou – mais grave ainda – no 12º ano é desvalorizar o trabalho de preparação que os professores realizaram com as suas turmas ao longo dos anos anteriores. É desvalorizar, também, o trabalho do próprio aluno, uma vez que não se pode esperar que os conteúdos assimilados dos anos anteriores sejam ainda tão extensos ao ponto de da sua avaliação depender o ingresso no ensino superior – sobretudo no que diz respeito à disciplina de História A. O aumento da carga de estudo nesta área é simplesmente atroz e não é possível pedir a um aluno (que vale lembrar que também é pessoa e se encontra, num ano tão fulcral como o 12º, diante de outras responsabilidades) que se prepare corretamente para o que terá de enfrentar no dia do exame.
Entendemos – ou melhor, subentendemos, já que nenhuma razão nos foi diretamente comunicada – que a medida tomada pretende fazer chegar aos estudantes que os conteúdos lecionados são para a vida e não para o mês. Contudo, exigir deles que estudem o equivalente a três anos de ensino em apenas um não é, de forma alguma, valorizar a consolidação de conhecimentos, mas sim promover uma memorização fácil e oca: a única solução possível para obter bons resultados com um espaço de tempo tão limitado.
Outro fator que pesa nesta decisão – e que, por tão flagrante, não devia ter sido ignorado – é a proliferação de bancos de livros escolares que se tem verificado nestes últimos anos letivos, em virtude da crise económica que atravessamos. Pensando que não necessitariam mais dos manuais escolares, um número tremendo de alunos terá doado já os livros que possuíam de anos anteriores aos bancos a que têm acesso, de modo a permitir que estudantes menos afortunados tenham a oportunidade que merecem de prosseguir a sua carreira académica. Negligenciar esta realidade é, até certo ponto, castigar a solidariedade social, pois irá provocar numa percentagem quase total de pais e filhos um arrependimento por uma ação altruísta e respeitável, que deve ser dinamizada e não censurada.
Quanto aos livros de preparação para exame que muitos alunos elegem para os auxiliar e guiar no seu estudo, basta apenas dizer que se tornaram, agora, incompletos e obsoletos, sendo que a sua publicação se deu, dificilmente, há mais de um mês. Obsoletos tornaram-se também os conhecimentos que os professores possuíam sobre a estrutura do exame para o qual preparavam as suas turmas – do que podemos concluir, facilmente, que a medida implementada causou uma desorientação geral que, muito provavelmente, se irá traduzir numa queda no aproveitamento escolar e, consequentemente, no ingresso ao ensino superior.
Concluímos, então, que a decisão tomada pecou por ser mal planeada, por ter as suas consequências mal medidas e, sobretudo, por se encontrar atrasada. A sua divulgação na fase que precede já os primeiros testes de avaliação do primeiro período é mais uma ponta solta num novelo que parece ter sido enrolado com demasiada urgência.
Há bastantes atributos que podemos relacionar a muitas das ações recentes do Ministério da Educação, contudo é difícil dizer que “coerência”, “eficiência” e “ponderação” têm feito parte da lista. A título de exemplo, lembro o quanto foi notória a confusão gerada com a colocação de professores no início deste mesmo ano letivo.
Se o lema do Ministério é “rigor e excelência”, será gratificante vê-lo aplicado ao próprio. E por favor, acrescentem “pontualidade”.

- Sofia Brito, 17 anos, aluna de Línguas e Humanidades, realizará exames a História A e Português em 2013

08/08/2012

Deus


Há algo que não se explica;
Que não cabe nas capas dos jornais;
Que raramente se lê nos livros;
E que jamais se vê na televisão.

Há algo que não se veste,
Não se calça,
Não se põe nas paredes;
Que não se mostra,
Não se exibe -
- Mas que se guarda.

Há algo que não se come,
Não se bebe -
- Mas alimenta.

Há algo que não é remédio,
Mas que cura.

Há algo mais sólido que a pedra
Que por vezes nos escorre pelos dedos.

Há algo que não se compreende,
Mas que nos move.

Há vida.

Abre os olhos


Abre os olhos
e percebe.

Há algo maior que tu.
Fazes parte de algo
maior que tu.

Abre os olhos
e percebe.

És igual a todos.
Fazes parte
de uma Irmandade.
Da Humanidade.

Abre os olhos
e percebe.

Face aos obstáculos,
Uns lamentam-se
e outros lutam.

Uns destroem.

Outros criam.

25/04/2012

A Revolução dos Cravos - 38 anos


“(…) Muitas partes do mundo atravessam, hoje, um momento de particular dificuldade económica, cuja origem tantos concordam em situar numa profunda crise de tipo espiritual e moral, que deixou o homem sem valores e desprotegido contra a ganância e o egoísmo de certos poderes que não têm em conta o bem autêntico das pessoas e das famílias. Não é possível continuar por mais tempo na mesma direção cultural e moral, que causou esta situação dolorosa que muitos sentem. Em vez disso, o verdadeiro progresso necessita duma ética que coloque no centro a pessoa humana e tenha em conta as suas exigências mais autênticas, de modo especial a sua dimensão espiritual e religiosa. Por isso, vai ganhando cada vez mais espaço, no coração e na mente de muitas pessoas, a certeza de que a regeneração das sociedades e do mundo exige homens retos e de firmes convicções morais e altos valores de fundo que não sejam manipuláveis por interesses limitados mas correspondam à natureza imutável e transcendente do ser humano.”
Papa Bento XVI


Português,

Na Assembleia, os políticos em quem talvez tenhas perdido a esperança, dirigindo-se a todos os outros senhores que os acompanham nos ilustres assentos, comemoram a data que hoje te dá um dia de descanso. Falam nos canais públicos, mas esquecem-se de se dirigir a ti. Falam sobre ti, por tua causa, em teu nome, mas não se dirigem a ti. Preferem bater palmas aos títulos do que às ideias e falam de ti como uma espécie protegida. Mas estas palavras, Senhor deputado ou outro qualquer ilustre, também são para ti. Não como titular de um assento, mas como Português. Como criador, lutador e transmissor da Revolução de Abril, elas são para ti.

Talvez o 25 de Abril sirva hoje apenas para o descanso, mas há 38 anos foi uma prova de coragem, de força, de um desejo partilhado por todo um povo. Fomos um país há 38 anos, Português. Fomos um país porque caminhamos todos juntos na mesma direcção. Estávamos unidos, Português! E essa união fez-se ouvir bem clara no coro das nossas vozes. Não foram precisas espingardas, nem tiros, nem lutas, nem desrespeitos, nem violência. Orgulha-te, Português! Quantos países conquistam a liberdade pela união? Quantas nações usam a paz para pôr um fim à guerra? Quantos povos saem à rua todos juntos, sendo a própria imagem da liberdade que tanto almejam?

Tu esqueceste-te, Português. Esqueceste-te que a tua nação é, antes de mais, um povo. O teu povo, que não se prende ao chão deste rectângulo a que chamamos Portugal, mas que hoje se distribui um pouco por todo o mundo. Estas palavras também são tuas, Português que, longe ou perto, não pisas solo português. Estas palavras não são uma homenagem à tua emigração, mas são uma tentativa de compreensão e explicação da mesma. Porquê que tiveste de ir, Português? Foi porque quiseste? Foi porque querias uma projecção que aqui não conseguias? Ou foi porque não tiveste alternativa, porque a tua própria nação se esqueceu de ti? E se eles se esqueceram, tu desististe, Português. O teu Primeiro-ministro pediu-te para ir e tu foste sem pedir mais, Português! Não digo que estivesses errado. Talvez tenha até de seguir as tuas pisadas um dia. Escolham-se as batalhas a travar, certo?

Há 38 anos, uma batalha só ganhou a melhor a muitas guerras. Revolucionou-se o país e, por mais falhas que se possam apontar, a verdade é que 25 de Abril foi um dia de mudança. Claro que esse dia só existiu porque as mentalidades já estavam mudadas, já estavam maduras, já iam mais longe do que os limites que o próprio Estado impunha. Isto porque a mente humana é algo extraordinário ao qual não se colocam barreiras. Mesmo no mais obscuro dos tempos, mesmo na prisão que é um regime autoritário, mesmo aí a razão humana consegue ir mais longe e procurar outros horizontes!

E hoje, Português? Onde estão os teus horizontes? Não culpes o teu governo, não culpes o teu Estado, não culpes o teu povo. Os teus horizontes, és tu quem os traça dentro da tua própria cabeça. E que não se queira revolucionar o país sem primeiro se revolucionar as mentalidades, porque aí teremos em mãos uma revolução fútil e desnecessária, que acabará por não significar nada. Uma revolução sem causa, sem futuro e sem ‘R’ maiúsculo.

O que o teu país precisa, Português, o que todos nós precisamos, é, antes de mais, de uma revolução humana. Uma revolução que comece por alargar os horizontes mentais de cada um e que se vá estendendo calmamente, ao ritmo que apraz a uma revolução desta dimensão.

Precisamos de nos mudar a nós mesmos, Português! Precisamos de prestar mais atenção ao próximo que ao PIB, que à crise, que ao défice e que à dívida. Precisamos de prestar mais atenção ao próximo que à indignação contra os que governam, que às inúteis lutas que travamos entre um povo – que devia caminhar para um mesmo objectivo e não discutir todos os dias em relação à forma de chegar e acabar por nem sequer sair do sítio. Precisamos, eu e tu, de prestar mais atenção ao próximo que às nossas próprias contas – sim, do que às nossas próprias contas! Não te preocupes, Português, não hás de te afundar por dar um pouco de ti. Não vais acabar pobre e sem tecto. Mas se preferires, ancora-te então ao dinheiro e logo veremos o que acontece… Já não presenciaste experiências que chegassem, Português? Olha à tua volta! Em plena crise, quando todos sabemos que quem mais sofre são os de baixo por experiência, os teus dirigentes continuam a fixar-se no dinheiro, nos números, no agora!... e esquecem-se que nas ruas há um povo que precisa de comer, de se vestir e de estudar! E amanhã, quando o país precisar de professores, de historiadores, de advogados… Enfim, de verdadeiros profissionais, já eles terão sido acolhidos noutra pátria.

Acorda, Português, que o sol já vai alto! É assim que pensas progredir? Com uma educação elitista? Com uma vida social desenhada para quem pode e para quem tem? Muda de pensamento, Português! Só te enganam porque deixas! Participa, predispõe-te, abre-te à vida política do teu país! Não deixes o trabalho para os políticos – já sabes do que eles são capazes lá sozinhos. Dispõem-te a governar com eles. Este país é teu! E tu, e tu, e tu, e tu, e todos nós é que o temos que guiar. Não são os ministros, não são os ilustres, não são os sentados! São os que se levantam cedo todos os dias para prestar serviço à comunidade. O teu trabalho é isso! Não é apenas um levantar pelo dinheiro – ou pelo menos, que assim não o seja –, é um serviço que prestas aos teus conterrâneos e, tantas vezes, até a irmãos de outros países.
Todos nós contamos, Português! Até tu, que não pisas hoje o mesmo solo que eu.

Este país é teu, para ti, por ti. Esta pátria foi feita para ti tanto quanto para mim e tanto quanto para o Senhor Presidente da República. O hino é nosso, o solo é nosso, a bandeira é nossa. E que a nação seja nossa também. Que nos coloquemos a nós próprios em comunidade, numa vida integrada com o outro, aberta para o mundo. Não te feches, Português! Abre os olhos, os ouvidos e as mãos e guarda a boca para quando tiveres algo de concreto a dizer. Não coloques o teu próprio destino, a tua própria felicidade, a tua própria dignidade nas mãos dos outros. Educa-te, actualiza-te, cresce e faz crescer. Faz crescer este país, que precisa tanto de ti como de qualquer outro.

Vamos ser um país de novo?


Um cravo a todos,
De uma Portuguesa