03/03/2010

Sorrisos ao Sol

Que alegria!

Observar
Dois amigos
A fazer Música,
A fazer Poesia.

Perdidos em sorrisos
Doces, ligeiros,
Sentidos.

Longe das excessivas
Gargalhadas,
Tantas vezes fingidas,
E forçadas,
E esquecidas.

E eu ali,
A observar
O Sol,
Que vinha banhar,
Sem convite,
Os momentos felizes.

E eu ali,
E começava já
A minha Alma
A Cantar,
A Sonhar.
A Amar.

A fazer com eles
Música,
Poesia

Mas que grande alegria!

Falhas

Se corresses pelas rochas, saltarias as falhas, como eu?

Mesmo que cada salto te magoasse o pé, ou a cabeça, ou o coração?
Mesmo que o risco de te perderes na falha se tornasse mais pesado ao longo do percurso?
Mesmo que a falha nunca desaparecesse totalmente do teu coração?

Saltarias as falhas, de qualquer das formas, ou ignorá-las-ias, só para te voltares a deparar com elas mais tarde?
Ou podias ainda regressar, esquecer aquela rocha, partir em busca de uma mais perfeita, mais fácil de percorrer.

Mas não saberias, como eu sei, que o maior salto é o mais feliz.
Que a maior falha pode tanto magoar-te, como trazer-te a maior das alegrias.

(Acontece o mesmo com as pessoas, as suas falhas, e o Amor)

27/02/10

Poeta Sem Palavras

Gostaria de dizer
Que sou poeta
Sem palavras.

Que sou como ave
Que voa
Por sobrevivência,
Por instinto.

Mas mentiria.

Mentiria,
Porque conheço bem
O prazer secreto
Do bico da caneta,
Escorregando pelo azul
Da tinta,
A descrever as curvas
Do a, do g, do s.

A traçar os tês
E a pôr os pontos
Nos is.

E a minha mão,
Que corre com a caneta!
E a caneta,
Que parece já
Conhecer o caminho!

Como se as palavras
Já estivessem impressas,
E eu fosse apenas
Colori-las.

E a minha boca,
Que, no silêncio nocturno
Da sala escura,
Vai procurando sentido
Na torrente de palavras!

E a minha alma,
Que sabe sempre
O sentido!

Mentiria,
Porque conheço demasiado bem
O prazer culpado
De querer escrever
Só mais uma palavra,
Só mais uma letra,
Só mais uma vírgula,

Apenas para saborear
A tinta no papel.

27/02/10

A Casa Assombrada

Rosa e Rui mergulhavam profundamente nas antigas memórias da avó, todas concentradas no sótão. Era dia de Natal e, tanto as suas mães, como o tio deles e ambos os seus filhos, iriam passar e celebrar aquela sobejamente importante tradição com a avó Júlia. O seu marido, o avô deles, tinha morrido há cinco anos e, claro, não podiam deixar a avó sozinha no Natal. Seria extremamente incorrecto e rude.


- Ouve isto, Rosa: “Para matar vampiros, use estacas de madeira, enquanto, para lobisomens, são preferíveis balas de prata. Já os fantasmas, só morrem com sal grosso.”. Não sabia que a avó gostava destas coisas. Bem, acho que ela sempre foi um pouco excêntrica.

- Esse livro não é da avó. Foi o avô que o comprou, apenas por divertimento. Ele queria ver a cara da avó, quando lhe mostrasse o livro. – Ao ver a cara curiosa de Rui, Rosa acrescentou – A avó contou-me essa história o mês passado, no Dia dos Mortos. Queria que eu conhecesse “o lado engraçado e, às vezes, incrivelmente inconveniente” do avô, tal como ela o pôs.

Mas Rui já tinha dirigido a sua atenção para uma caixa cheia de conchas, búzios e afins, rotulada com “1993”. Aparentemente, o conto que estava por detrás daquela caixa era bastante apelativo, pelo menos para Rui. Rosa já tinha encontrado outros objectos interessantes. Percorria, com o olhar, a estante de livros, como que à procura de um específico.

- Rui – disse ela sorrindo – descobri o livro de contos do avô. – Porém, o seu olhar voltou atrás e deteve-se num outro livro. Este tinha uma lombada de cor marfim e letras gravadas em dourado, que soletravam: “A casa assombrada”. Rosa achou aquele livro atraente e pensou que Rui, sempre disposto ao terror, iria adorar. Pegou nele com cuidado e o rapaz não tardou a descobrir que aquele não era o livro esperado.

- Que livro é esse? Parece muito estranho. Acho que não devíamos abri-lo.

- Porquê? Vá lá. Vê, chama-se “A casa assombrada”. Tu sempre adoraste estas coisas.

- Não sei, não gosto do seu aspecto e tenho um mau pressentimento.

- Podíamos só dar uma vista de olhos, e, se não gostarmos, fechamo-lo e pomo-lo de lado.

- Pronto, está bem. Mas, fica sabendo, só o faço porque sou demasiado curioso.

Rosa abriu o livro e, antes que pudesse agir, o livro sugou-os, com tal força, que foi impossível eles resistirem.

- Rosa! Onde estás?

- Rui! Ajuda-me!

Foram pousados num soalho que rangeu, para seu grande susto. Ambos caíram com um estrondo ensurdecedor e bastante longe um do outro. Rosa levantou-se depressa e foi ao encontro de Rui, que também já se tinha levantado.

- Onde estamos? – perguntou Rosa, assustada.

- Não sei. Vês? Tudo por causa da tua ideia maluca! “Vá lá! Tu sempre adoraste estas coisas.” – replicou Rui, com uma voz muito acusadora.

- Desculpa! Nunca pensei que isto pudesse acontecer. – desculpou-se a rapariga, à beira das lágrimas.

- Perdoa-me também. Não foi culpa tua. E, por favor, não chores! Precisamos de nos manter alerta, temos de descobrir onde estamos.

- Não é óbvio? – explicou Rosa, subitamente recomposta – Estamos na casa assombrada do livro.

- Ah! Agora já sabes tudo outra vez, não é? – ripostou o rapaz, irritado – Mas, desta vez, és capaz de ter razão.

Repentinamente, começaram a ouvir barulho de passos e apareceu-lhes uma figura peluda, castanha e volumosa à frente.

- Oh! Sejam bem-vindos à Casa Assombrada! Mansão, melhor dizendo! Eu sou o Duque do Susto. Em que posso ajudar carne fresquinha e… quero dizer, jovens, como vocês?

- Nós queríamos saber – respondeu Rui, chegando-se à frente, enquanto Rosa tremia compulsivamente – como podemos sair desta mansão, e voltarmos ao sótão da nossa avó.

- Oh! Mas isso é deveras fácil. Têm de sair pela porta principal, claro. – respondeu o Duque, com um tom de superioridade – Se assim desejarem, eu acompanhar-vos-ei.

Os primos aceitaram e o recém-chegado levou-os, então, através de escadarias e mais escadarias. Por fim, Rosa falou, exausta:

- Desculpe, falta muito para chegarmos à porta principal?

- Bem, eu avisei-vos que isto era uma mansão. Demoramos, sempre, imenso tempo para…

- “Demoramos”? Quer dizer que mais pessoas habitam aqui? – cortou Rui, assustado com a ideia, pois, no caminho todo, não tinham visto, sequer, um rato.

- Com certeza! O menino não pensava que eu, Duque do Susto, morava nesta mansão, totalmente sozinho, pois não? O que sucede é que os outros monstros estão no salão principal, a jantar. Vocês apanharam-me numa ida à casa-de-banho.

- Que tipo de “outros monstros” vivem aqui? – interrogou Rosa, aterrorizada com essa possibilidade.

- Moram aqui todo o tipo de almas perdidas imagináveis. Somos apenas simples criaturas rejeitadas pelo resto do mundo. – acrescentou o lobisomem, vendo o olhar dos primos - Podemos ser horríveis, mas penso que ainda possuímos, pelo menos a maioria, um coração.

Os dois primos experimentaram, no exacto momento em que aquelas palavras saíam da boca do Duque, um sentimento de compaixão e pena. Como é que poderiam ter pensado mal, e chegado, mesmo, a sentir nojo daquelas criaturas? Como é que poderiam tê-las julgado, sem tê-las, sequer, conhecido?

- Ah! Tinha-me esquecido que, no caminho para a porta, passaríamos pelo salão. Querem jantar?

- Nós gostaríamos muito, mas as nossas mães devem estar à nossa espera. – desculpavam-se os dois, em coro.

- As vossas mães nem notaram a vossa falta. O tempo, aqui na mansão, não passa. É um privilégio que nós não possuímos, tal como tantos outros. – reparando no olhar desacreditado que os primos trocavam, o Duque sugeriu – Olhem para os vossos relógios, se não acreditam.

Ambos os adolescentes, olhando para os relógios, constataram que o ponteiro dos segundos, de facto, não se mexia. Rosa já havia reparado naquele acontecimento antes, mas tinha achado que o relógio se tinha estragado, com a queda.

- Então, decidem-se a ficar, ou preferem seguir? – questionou-os o lobisomem, parando subitamente e fazendo com que, por pouco mais de um centímetro, Rosa e Rui não chocassem com uma parede.

Tinham de tomar uma decisão, porém, ambas as opções tinham argumentos fiáveis. Poderiam escolher ir-se embora, desapontando o Duque, mas evitando as outras criaturas, ou poderiam ficar, enfrentá-las e, quem sabe, comer ratos ao jantar.

- Teríamos todo o prazer em ficar – apressou-se Rosa a responder, num tom decidido.

Entraram no salão, aparentemente calmos e prontos para o que iriam ver. Todavia, a surpresa foi algo agradável. É verdade que aquelas criaturas eram horríveis e facilmente desprezáveis, porém, comportavam-se civilizadamente, como se fossem pessoas. Comportavam-se, até, melhor do que os primos de Rosa e Rui. E o seu jantar era perfeitamente saudável, equilibrado e, pela pequena parte que os primos experimentaram, saboroso. Nesse momento, eles aperceberam-se que nunca se devem julgar as pessoas pela sua aparência, ou neste caso, as criaturas, porque no fundo, todos têm sentimentos.

Durante a incrivelmente enriquecedora refeição, o Duque contou-lhes que costumava comer pessoas, mas, na mansão, tinha entrado numa espécie de reabilitação, e, desde que ali pusera os pés, só comia legumes, fruta e verduras.

- Nada de carne! Sabem, ainda estou no primeiro ano do programa. Quero, também, pedir-vos desculpas pelo meu áspero comentário, quando aqui chegaram. Foi um lapso momentâneo, mas vai acrescentar-me três meses ao programa.

No fim do jantar, Rosa e Rui foram acompanhados por uma série de criaturas, que haviam conhecido durante a refeição, dando, assim, um merecido descanso ao Duque do Susto. Quando, finalmente, chegaram à porta principal, exaustos, mas satisfeitos com a lição, custou-lhes imenso despedir-se dos novos amigos. Por isso, decidiram criar uma nova tradição: todos os anos, no dia de Natal, seriam novamente sugados para o livro e passariam o tempo que quisessem na mansão.

Assim que se encontraram novamente, no sótão da avó, notaram que os relógios tinham começado a trabalhar e que não se sentiam nada cheios. Na verdade as suas barrigas contorciam-se de fome. Mas, o mais impressionante de tudo, o livro tinha desaparecido e parecia que tinham acabado de acordar de um sono de dez horas! Nessa altura, os primos esqueceram a fome e interrogaram-se mutuamente. Ambos recordavam os mesmos eventos e, em especial a lição que tinham aprendido. Mas teria aquilo sido um sonho conjunto ou teria acontecido realmente? Aí, ambas as mães chamaram-nos com tal persistência, que Rosa e Rui não tiveram outro remédio senão descer. Acordaram que jamais contariam o sucedido a alguém. Desceram, ambos esfomeados, e puseram a cara mais normal que conseguiram. Desde então, partilham um segredo que todos desconhecem e criaram um laço muito especial.

 
30/11/09

Palavras

As palavras
não me servem
de nada!

Quero sentir
as Cores em mim,
sem as rotular.
Quero sentir
o Silêncio em mim,
sem o quebrar.
Quero sentir
a Música em mim,
sem a falar.
Quero sentir
a Vida em mim,
sem a explicar;

sem a traduzir
para a imperfeição (lacónica)
das palavras.
E lá vou eu
outra vez,
a comprimir sentimentos
no espaço pequenino
de um poema.
1/02/10