25/04/2012

A Revolução dos Cravos - 38 anos


“(…) Muitas partes do mundo atravessam, hoje, um momento de particular dificuldade económica, cuja origem tantos concordam em situar numa profunda crise de tipo espiritual e moral, que deixou o homem sem valores e desprotegido contra a ganância e o egoísmo de certos poderes que não têm em conta o bem autêntico das pessoas e das famílias. Não é possível continuar por mais tempo na mesma direção cultural e moral, que causou esta situação dolorosa que muitos sentem. Em vez disso, o verdadeiro progresso necessita duma ética que coloque no centro a pessoa humana e tenha em conta as suas exigências mais autênticas, de modo especial a sua dimensão espiritual e religiosa. Por isso, vai ganhando cada vez mais espaço, no coração e na mente de muitas pessoas, a certeza de que a regeneração das sociedades e do mundo exige homens retos e de firmes convicções morais e altos valores de fundo que não sejam manipuláveis por interesses limitados mas correspondam à natureza imutável e transcendente do ser humano.”
Papa Bento XVI


Português,

Na Assembleia, os políticos em quem talvez tenhas perdido a esperança, dirigindo-se a todos os outros senhores que os acompanham nos ilustres assentos, comemoram a data que hoje te dá um dia de descanso. Falam nos canais públicos, mas esquecem-se de se dirigir a ti. Falam sobre ti, por tua causa, em teu nome, mas não se dirigem a ti. Preferem bater palmas aos títulos do que às ideias e falam de ti como uma espécie protegida. Mas estas palavras, Senhor deputado ou outro qualquer ilustre, também são para ti. Não como titular de um assento, mas como Português. Como criador, lutador e transmissor da Revolução de Abril, elas são para ti.

Talvez o 25 de Abril sirva hoje apenas para o descanso, mas há 38 anos foi uma prova de coragem, de força, de um desejo partilhado por todo um povo. Fomos um país há 38 anos, Português. Fomos um país porque caminhamos todos juntos na mesma direcção. Estávamos unidos, Português! E essa união fez-se ouvir bem clara no coro das nossas vozes. Não foram precisas espingardas, nem tiros, nem lutas, nem desrespeitos, nem violência. Orgulha-te, Português! Quantos países conquistam a liberdade pela união? Quantas nações usam a paz para pôr um fim à guerra? Quantos povos saem à rua todos juntos, sendo a própria imagem da liberdade que tanto almejam?

Tu esqueceste-te, Português. Esqueceste-te que a tua nação é, antes de mais, um povo. O teu povo, que não se prende ao chão deste rectângulo a que chamamos Portugal, mas que hoje se distribui um pouco por todo o mundo. Estas palavras também são tuas, Português que, longe ou perto, não pisas solo português. Estas palavras não são uma homenagem à tua emigração, mas são uma tentativa de compreensão e explicação da mesma. Porquê que tiveste de ir, Português? Foi porque quiseste? Foi porque querias uma projecção que aqui não conseguias? Ou foi porque não tiveste alternativa, porque a tua própria nação se esqueceu de ti? E se eles se esqueceram, tu desististe, Português. O teu Primeiro-ministro pediu-te para ir e tu foste sem pedir mais, Português! Não digo que estivesses errado. Talvez tenha até de seguir as tuas pisadas um dia. Escolham-se as batalhas a travar, certo?

Há 38 anos, uma batalha só ganhou a melhor a muitas guerras. Revolucionou-se o país e, por mais falhas que se possam apontar, a verdade é que 25 de Abril foi um dia de mudança. Claro que esse dia só existiu porque as mentalidades já estavam mudadas, já estavam maduras, já iam mais longe do que os limites que o próprio Estado impunha. Isto porque a mente humana é algo extraordinário ao qual não se colocam barreiras. Mesmo no mais obscuro dos tempos, mesmo na prisão que é um regime autoritário, mesmo aí a razão humana consegue ir mais longe e procurar outros horizontes!

E hoje, Português? Onde estão os teus horizontes? Não culpes o teu governo, não culpes o teu Estado, não culpes o teu povo. Os teus horizontes, és tu quem os traça dentro da tua própria cabeça. E que não se queira revolucionar o país sem primeiro se revolucionar as mentalidades, porque aí teremos em mãos uma revolução fútil e desnecessária, que acabará por não significar nada. Uma revolução sem causa, sem futuro e sem ‘R’ maiúsculo.

O que o teu país precisa, Português, o que todos nós precisamos, é, antes de mais, de uma revolução humana. Uma revolução que comece por alargar os horizontes mentais de cada um e que se vá estendendo calmamente, ao ritmo que apraz a uma revolução desta dimensão.

Precisamos de nos mudar a nós mesmos, Português! Precisamos de prestar mais atenção ao próximo que ao PIB, que à crise, que ao défice e que à dívida. Precisamos de prestar mais atenção ao próximo que à indignação contra os que governam, que às inúteis lutas que travamos entre um povo – que devia caminhar para um mesmo objectivo e não discutir todos os dias em relação à forma de chegar e acabar por nem sequer sair do sítio. Precisamos, eu e tu, de prestar mais atenção ao próximo que às nossas próprias contas – sim, do que às nossas próprias contas! Não te preocupes, Português, não hás de te afundar por dar um pouco de ti. Não vais acabar pobre e sem tecto. Mas se preferires, ancora-te então ao dinheiro e logo veremos o que acontece… Já não presenciaste experiências que chegassem, Português? Olha à tua volta! Em plena crise, quando todos sabemos que quem mais sofre são os de baixo por experiência, os teus dirigentes continuam a fixar-se no dinheiro, nos números, no agora!... e esquecem-se que nas ruas há um povo que precisa de comer, de se vestir e de estudar! E amanhã, quando o país precisar de professores, de historiadores, de advogados… Enfim, de verdadeiros profissionais, já eles terão sido acolhidos noutra pátria.

Acorda, Português, que o sol já vai alto! É assim que pensas progredir? Com uma educação elitista? Com uma vida social desenhada para quem pode e para quem tem? Muda de pensamento, Português! Só te enganam porque deixas! Participa, predispõe-te, abre-te à vida política do teu país! Não deixes o trabalho para os políticos – já sabes do que eles são capazes lá sozinhos. Dispõem-te a governar com eles. Este país é teu! E tu, e tu, e tu, e tu, e todos nós é que o temos que guiar. Não são os ministros, não são os ilustres, não são os sentados! São os que se levantam cedo todos os dias para prestar serviço à comunidade. O teu trabalho é isso! Não é apenas um levantar pelo dinheiro – ou pelo menos, que assim não o seja –, é um serviço que prestas aos teus conterrâneos e, tantas vezes, até a irmãos de outros países.
Todos nós contamos, Português! Até tu, que não pisas hoje o mesmo solo que eu.

Este país é teu, para ti, por ti. Esta pátria foi feita para ti tanto quanto para mim e tanto quanto para o Senhor Presidente da República. O hino é nosso, o solo é nosso, a bandeira é nossa. E que a nação seja nossa também. Que nos coloquemos a nós próprios em comunidade, numa vida integrada com o outro, aberta para o mundo. Não te feches, Português! Abre os olhos, os ouvidos e as mãos e guarda a boca para quando tiveres algo de concreto a dizer. Não coloques o teu próprio destino, a tua própria felicidade, a tua própria dignidade nas mãos dos outros. Educa-te, actualiza-te, cresce e faz crescer. Faz crescer este país, que precisa tanto de ti como de qualquer outro.

Vamos ser um país de novo?


Um cravo a todos,
De uma Portuguesa