09/02/2017

até quando

todas as coisas são aquilo que não são
confundem-se e abraçam-se
fundem-se e emergem-se
imergidas

todas as coisas começam só depois
de acabarem
os fins são tristeza e alívio
o início de tudo é maravilhosamente
assustador

(como quando olhamos para lá do parapeito
de um 30º andar
e respiramos
fundo)

e amar-te sempre foi ter muito medo
das tuas fraquezas
foi chorar por não estares a meu lado
mesmo quando dormia em tua casa

mesmo juntos
a força da separação recorrente
era um tsunami que fingíamos
não nos arrastar consigo
(ou vaga leve que dava à costa
nos momentos mais inoportunos)

todos os medos se concretizam
sobretudo quando nunca acontecem

mas o nosso parecia estar fadado
mesmo quando acreditei
(de todo o meu coração frágil e forte
de menina mulher
responsável e inocente)
que nenhum mal te aconteceria
uma vez já acontecido

mesmo quando acreditei
no que me dizias
e mais tarde descobri que tinhas
delirado

(quem sou eu senão aquela
que sempre acreditou nos teus
delírios?)

e de certa forma, sempre soube
que chegaria o dia em que as nossas
eternas separações condensar-se-iam
numa só
eterna

mas nos meus sonhos, tu existes
nos meus sonhos, tu estás lá
em sonhos
tu não me abandonas

como não o fazias quando eu sonhava
e moravámos apenas a uma rua de distância
(como pode uma só rua ser
um abismo tão transcendente
tão insinuante?)

quando nos vemos em sonhos
acordo sempre a chorar
porque parte de mim sabe
que é a última oportunidade
de te ver e abraçar
de te falar

tu já não és

mas outra parte de mim sabe
que é impossível deixares de ser
ser uma vez
és para sempre

os nossos caminhos
foram perpetuamente entrelaçados
mesmo quando os laços foram
demasiado apertados
mesmo quando se rasgaram
mesmo quando se desprenderam

e assim aprendo aquilo
que sem palavras mas em
atos e perpétuas pequenas
omissões
contigo fui aprendendo

sempre foste
e és hoje
o meu fantasma presente

a presença ausente
que sombreia os meus passos
diária, perenemente

mas já te foste há tanto tempo
e a vida já não é nada daquilo
que costumava ser
nos nossos domingos à tarde

tudo muda e no entanto
tu nunca partes
agora que já partiste
definitivamente


até quando?