24/09/2010

Chamem-lhe saudades

Nó na garganta.
Nó e vazio.
Um tremer da mão.
No estômago, frio.
Um ir e vir
De vontades.

O coração envolto
Numa corda.
Numa corda apertada.
Nó na garganta,
Frio no estômago,
Corda lentamente puxada.

Vontade de vomitar.
Vontade de correr,
De sair.
Vontade de ficar.
Vontade de fugir.
Vontade de abraçar.

Sei perfeitamente
O que lhe chamar,
A este ir e vir
De vontades.
Como se importasse,
Como se algo mudasse,

Chamar-lhe saudades.

Água benta

  Água benta: o que é? Para alguns, talvez represente um ritual; uma tradição; um acto executado, sim, mas não inteiramente compreendido. Por outro lado, também há aqueles que a vêem quase como um arcaísmo, algo em que não se pensa, seja por discordância, seja por mero desinteresse.
  Ainda existe, contudo, a versão mais "tradicional", mantida e defendida por aqueles para quem Deus e a Natureza se entrelaçam num: água benta é, afinal, purificação. Talvez algo mais, mas nunca nada menos do que virtude, pureza, integridade.
  Meditando sobre estas palavras, que, ligeiras, carregam muito mais do que consoantes, vogais e sílabas, encontro-as levemente bordadas na alma desse líquido transparente - benzido, ou não - que nos escorre pelos dedos, sem, no entanto, o vermos, prova viva duma fragilidade aparente, duma força esmagadora que, por vezes, se dissimula num silêncio cómodo.
  Água benta, água bendita, água abençoada - adjectivos que emprego não como distinção entre várias qualidades de água, mas sim como uma verdade imutável, que exerce toda a sua veracidade sobre toda e qualquer gota, solitária na sua existência indivisível, forte na sua pequena vulnerabilidade irreal.
  Afinal, seja a água que limpa a nódoa, que arrefece o corpo quente, ou que refresca a boca seca, toda ela é benta. Qual de nós não chega a casa, depois de uma boa corrida, toma imediatamente um copo de água e se sente verdadeiramente grato por esta existir? Qual de nós, sentindo-se nervoso ou preocupado, não molha os pés na água salgada e se sente embalado pelo ruge-ruge das ondas? Qual de nós consegue conceber um futuro sem esta fonte de tanta vida?
  E, mesmo assim, quantos de nós a desperdiçam superficialmente, todos os dias?

Porque me fazes acreditar

Porque me fazes acreditar.

Fazes-me acreditar
Na Luz do dia,
E no nascer do Sol,
E numa nova Alegria
Que talvez traduziria
Nesse teu olhar.

Fazes-me acreditar
Em respirar,
E sonhar,
E viver,
E amar,
E... respirar.

Mais do que meditar,
Fazes-me acreditar
No que os olhos não vêem,
Na continuidade
Dos que não a têm,
Na força do mar.

Fazes-me acreditar
Em querer, e imaginar,
E trabalhar, e viajar,
E lutar, e chegar.

Fazes-me acreditar
Que, um dia,
Irás voltar.

02/09/2010

Estrada Vazia

Caminhando sozinho

na escuridão nocturna;
sentindo o sopro frio
na face soturna,
deixar-te-ias mudar?

Porque o vento
contrabalança
a expressão sombria.

Porque o vento
traz esperança,
não a surripia.
Caminhando sozinho
pelo negrume frio,
forçarias o pesar ou
deixar-te-ias mudar?

Perfeição Utópica

  Recordo vivamente o meu professor de Educação Visual sentado à secretária, a acrescentar cores, linhas e sombras aos nossos trabalhos supostamente terminados. Entretanto, dizia: “para um artista, a obra nunca está acabada”.


  Na minha opinião, ele não podia estar mais certo. Seja qual for o artista e seja qual for a sua obra, há sempre algo a acrescentar, alterar, refazer… essencialmente, a aperfeiçoar. E, na verdade, não é o Homem um artista, cujo trabalho vital reside não na moda, nem na tecnologia, nem tão pouco na economia ou na política, mas sim em si mesmo?

  A nossa vida é um constante ajustamento e, acima de tudo, amadurecimento de ideias, sentimentos, comportamentos e princípios. Apesar de não ser sempre no sentido mais correcto, o nosso crescimento é permanente e inevitavelmente contínuo. É um trabalho perpétuo. Assim, com cada nova experiência, compreendemos e, mais, sentimos algo anteriormente inatingível. De tal forma que, quando observamos as nossas acções passadas, encontramos sempre actos que gostaríamos de mudar. Contudo, foram esses erros, por vezes, embaraçosos, juntamente com outras experiências mais felizes, que nos fizeram a pessoa que hoje somos e, se não nos podemos orgulhar de nós próprios, de que nos podemos orgulhar?

  Então, se a nossa vida é um perpétuo aperfeiçoamento, qual é o objectivo? Sabemos bem que perfeição não rima com Homem. Poderemos nós estar a desperdiçar o nosso tempo a correr em direcção a uma meta inalcançável? A uma utopia?

  Penso que não. Não chamo a esta perfeição, mas dou-lhe sim o nome de Deus. Para mim, Ele é o único portador de uma perfeição quente, luminosa e feliz, ao contrário daquela que os homens, por vezes, procuram e idealizam. Assim, diria que o objectivo é “procurar as coisas do Alto” (Cl 3, 1-4), agir por Deus e em Deus, não para nos salvarmos a nós próprios, mas sim para construirmos o Amor e melhorarmos o mundo.



Felizes os que se arrependem perante o Senhor! “Felizes os que cumprem os seus preceitos e O procuram com todo o coração”! (Sl 119, 2)