23/07/2016

este é o momento em que te deixo ir

este é o momento em que te deixo ir

pelo menos, é o que está escrito
no manual de como esquecer alguém
que se amou (e só percebi que havia um
depois de tantos conselhos
bem intencionados   e mal direcionados
que nunca tiveram bem    exata 
completamente
o efeito pretendido)

diz-se que este é o momento em que te deixo ir
e que já é tarde
que o mundo já girou vezes suficientes
desde a última vez em que nos vimos

diz-se que este é o momento em que
deixa de doer
e eu sigo em frente
e a juventude me há de salvar
(porque para um mundo obcecado
com a romantização do futuro
e desiludido com o passado    as rugas
os sulcos das cicatrizes deixadas pela experiência
é sempre a juventude que nos vale)

este é o momento em que me olho ao espelho
e reconheço que não valho menos do que quando
nos vimos pela primeira vez

(e quantas vezes já girou o mundo
desde então
quantas juventudes valeram
a amantes despedaçados)

este é o momento em que compreendo
que nunca foste tu a amar-me
mas deveria ter sido sempre
eu
a amar-me a mim mesma
 em primeiro lugar

ama o próximo como a ti mesma –
– e talvez por isso não tenhas sentido
o quanto te amei

talvez por isso eu não tenha sentido
que me amaste
sequer

ou talvez tenha sido apenas porque
é verdade     tu nunca me amaste
eu nunca to ouvi
e nunca fomos tudo aquilo que ficou
marcado    teimosa e permanentemente
na parte de trás da minha nuca

sem esperança de lixívia   tempo
ou juventude
que lhe valha

não pensas em mim quando se fala
em amor   ou paixão
ou até
custa-me dizê-lo
amizade

mas eu terei o meu terceiro dia
mês    ou ano
e serei a primeira a pensar em
mim mesma
quando a vida nos aperta
as juntas
e nos sacode até
aos ossos

serei a primeira a pensar
em mim mesma
amar-me    perdoar-me

terei um terceiro dia no qual
serás não mais ferida a sarar
mas antes   sulco de cicatriz
deixada pela experiência

e esse terceiro dia será
o momento em que me perdoo
por te deixar ficar

será o momento em que me perdoo
por não me ter amado
em primeiro lugar

02/05/2016

a caixa

tu vives na tua caixa
com horas certas
para pôr a comida na mesa
para sair e olhar o céu
para viver    para amar

vives nessa caixa onde
só entra aquilo que acolhes
com as tuas mãos
só entra quem   distraído
escolhes

nessa caixa em que
por amor ou loucura
me sonhei a viver

aquela doce ilusão
que todos os esperançosos
idealizam
que todos os amargurados
amaldiçoam
que todos os sábios
relembram com sorrisos

e em que eu me fiz
tua
como se possível fosse encaixar-me
nos espaços das tuas respirações
e dias soltos

mas todos os meus relógios
giram na direção da loucura
e os meus horários são como
regras que sabem bem
condimentadas com rebeldia

e tu disseste-me    já não há tempo
para nos amarmos
e nem sabes como me
despedaçaste

regressas   então
à tua rígida caixa
e eu aos meus relógios
insubordinados
que não aprenderam ainda
como o Tempo se fez servo

do Amor

26/04/2016

gosto a liberdade

depois de todos os arrepios
de todas as mãos dadas
por baixo de mesas
como um segredo próprio
ou pelas ruas
com a liberdade de amar

depois de todos os olhares demorados
de todos os segundos suspensos
num sorriso partilhado
de todos os pontos da tua pele
que admirei e decorei
e não posso mais esquecer

depois de todos os dias em que
nos vimos e nos abraçamos
que nos fizemos companheiros
à descoberta de lugares
que fizemos nossos

depois de todas as canções
visões e paisagens
poemas ou filmes
memórias, emoções
que bordei com a agulha
que nos cega
sempre que se fala em amor

e mesmo depois
sim, meu amor,
mesmo depois
de todos os beijos
comungados

e da comunhão
em que nos submergimos
da primeira vez
e da última
em que dissemos
adeus

depois de todas as chuvas
e tempestades agrestes
e praias ventosas ou quentes
e dias de sol livres
e porque não
tantos todos os dias amenos
em que nos amamos

depois de todas as lágrimas
que não me adivinharam o dia
em que não poderia mais ficar

depois de todos os pontos
nos quais te escusaste
a amar-me
com o gosto da liberdade

(tanto que nunca cheguei a saber
se terias querido neste poema
meu amor
essa palavra que nunca te ouvi)

e mesmo
ah, sim, mesmo depois
de todos os outros poemas
que para ti forjei
com alegria e paixão e saudade
e amor
(sim, era amor)

depois de tudo aquilo
que já não sei se foi nosso
ou apenas roubado a dias
menos fortuitos

conta-me
explica-me
desenha-me

diz-me como hei de
te descoser
das malhas do futuro
que teci do teu lado

como hei de te arrancar
ao lugar de carinho onde
tão doce
tão apaixonada
tão ingenuamente
te deitei

como hei de me despir
de todo o amor que tive por ti
e vesti-lo exuberantemente
sem perdões
qual penugem de pavão

em mim