01/04/2011

Começar de novo, com mel nos olhos

  Hoje deparei-me com uma tarefa algo difícil: tive de revistar uma capa antiga, repleta de todo o tipo de provas de que eu – sim, EU – também fui pequenina e ingénua e inocente… E criança.


  Na verdade, seleccionar documentos antigos – neste caso, datados do meu quarto ano – não é necessariamente um objectivo custoso. Pelo menos, para mim não foi… Durante os primeiros dois minutos. Depois disso, a objectividade começou a ficar toldada: a necessidade de me livrar da tralha perdia terreno face à imersão nas memórias. Demorei duas vezes mais do que esperava, porque, de súbito, todos os pequeninos escritos e sarrabiscos se tornaram curiosos e dignos de contemplação.

  Queria lembrar-me de tudo: de como era acordar de manhã e partir para a escola, pela mão da minha mãe; do cheiro do seu único “vício”, o café; de como sabiam os pães com manteiga nos intervalos, por vezes trocados por outros petiscos mais apetecíveis; do leite com chocolate, cujos pacotes eram das leituras mais fascinantes na altura… E de como era ser criança. E de como foi deixar de o ser.

  Toda a vivência dos momentos – e não são tantos assim – que hoje consigo recordar, desde que a memória se tornou possível em mim até ao agora mesmo, em que escrevo estas palavras; toda a magia e todo o misticismo a que sabe o passado… Tudo isto me torna em quem sou. E sei, porém, que não estou sozinha na minha nostalgia esporádica. Todos nós pensamos no que fomos, no que sentimos, no caminho que calcorreamos até ao ponto em que, actualmente, nos assumimos – vitoriosos ou nem tanto assim. Mas, claro, uns rememoram mais e outros menos. E pouco têm os jovens contemporâneos de nostálgico. Ou não o querem mostrar, nem a eles mesmos.

  Talvez pudesse ser, de facto, da juventude, e então, eu seria apenas a excepção que confirma a regra, já envelhecida no que toca a certos recantos; contudo, sinto que falta algo da poesia do passado nos nossos caminhos presentes. Porque o passado nos traz experiência, sabedoria e muito amor – amor ao que fomos, ao que vivemos e aos que o viveram connosco – e, sobretudo, porque nos deparamos com ele todas as manhãs.

  Sempre que nasce outro dia, nós erguemo-nos novamente, mas não do nada. Não renascemos – antes ressuscitamo-nos, (quase) sabendo que enfrentamos um novo começo, sem, porém, partir do quilómetro zero. Isto, porque todo o santo nascer do sol – de todas e cada uma das vezes – colocam-se diante de nós todas as barreiras que já encarámos. E é nosso dever vital encontrar-lhes os pontos fracos e apercebermo-nos, mais uma vez, de que, no fim de contas, não são mais do que o pó da estrada acumulado sobre os nossos pés. Não passam de calos de viajantes mais ou menos penados.

  Mas também revivemos o que foi bom: em dias de sol e tempo ameno – curiosamente, como o de hoje – ainda sinto o sabor ao pão rústico molhado em azeite, que sabe a passeios de carro, num domingo à tarde, pelos montes verdes, dourados sob a luz e o vento calmos, que embala a consciência do momento, até não eu não ser mais do que quem sou e não ter que fazer mais do que sê-lo. E sinto mel na expressão dos meus olhos e do meu sorriso; e estou certa de que a calma e o amor da memória estarão sempre ao alcance de um suspiro. E já sei como é voltar a ser criança de novo.

Sou o futuro (Estudante)

Toca o despertador.
Nunca há tempo.
Quero tudo,
tudo menos trabalho.

Corro pela rua fora,
já chega de atrasos.
Chega! Mas só
mais hoje…

Quero tudo.
Não me importo
com nada.
Procuro sempre
alguma coisa.
Finjo que não sei,
ser estudante
é o melhor trabalho:
quando se trabalha,
recebe-se.
Falta-me alguma coisa.
Tenho tudo.
Falta-me tempo.
O que é tempo?
Já não sei…

Estou em todo o lado.
Vou sempre a correr,
Já não estou aqui.
Já não estou ali.
Já não estou.
Sou o futuro.
O futuro de quem?
O meu está cheio de erros.

Não se erra quando
não se sabe?
E eu não sei.
Não sei, nem tenho tempo
para descobrir.

Será sempre assim?
Quando vai haver tempo?
Quando vai haver paz?
Quando vou poder parar?

Mas parar é morrer.
E eu gosto da vida.
Essa corrida desenfreada
por entre o saber,
o conhecer,
o descobrir.

É uma escola.
E todos somos alunos.
E todos erramos.
Mas quem corre,
sempre alcança.